Afinidades
Artur da Távola
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
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delicado e penetrante dos sentimentos.
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É o mais independente.
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Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
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as distâncias, as impossibilidades.
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Quando há afinidade,
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qualquer reencontro retoma a relação,
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o diálogo, a conversa,
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o afeto no exato ponto em que foi interrompido.
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Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
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É uma vitória do adivinhado sobre o real.
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Do subjetivo para o objetivo.
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Do permanente sobre o passageiro.
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Do básico sobre o superficial.
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Ter afinidade é muito raro.
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Mas quando existe
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não precisa de códigos verbais para se manifestar.
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Existia antes do conhecimento,
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irradia durante e permanece
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depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
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O que você tem dificuldade de expressar a um não afim,
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sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.
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Afinidade é ficar longe pensando parecido
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a respeito dos mesmos fatos que impressionam,
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comovem ou mobilizam.
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É ficar conversando sem trocar palavras.
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É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.
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Afinidade é sentir com, nem sentir contra,
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nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
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Quanta gente ama loucamente,
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mas sente contra o ser amado.
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Quantos amam e sentem para o ser amado,
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não para eles próprios.
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Sentir com é não ter necessidade de explicar
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o que está sentindo.
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É olhar e perceber.
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É mais calar do que falar, ou, quando é falar,
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jamais explicar: apenas afirmar.
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Afinidade é jamais sentir por.
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Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
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Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
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Compreende sem ocupar o lugar do outro.
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Aceita para poder questionar.
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Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
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Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
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É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas
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quanto das impossibilidade vividas.
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Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou
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sem lamentar o tempo de separação.
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Porque tempo e separação nunca existiram.
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Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida,
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para que a maturação comum pudesse se dar.
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E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
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cada vez mais a expressão do outro
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sob a forma ampliada do eu individual aprimorado.
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